Taça Belos Montes de Futebol
por Cristian Lucas Alflen
OS 23 ANOS DA COMPETIÇÃO QUE UNIU A REGIÃO
ORIGEM
1995 acabava de iniciar. Um Ford Escort modelo europeu de cor prata se aproximava do centro comunitário de Linha Taquarimbó, em Seara. No veículo, o então gerente da Rádio Belos Montes, Clélio Ivo Dal Piaz, avistou um “alemão” cortando a grama do campo do União, clube que representa a comunidade de Taquarimbó. O sotaque regional forte de Adilson Germano (o alemão), acabou gerando sua demissão da Rádio Belos Montes meses antes. Mas agora, Clélio procurava novamente Adilson para recontratá-lo, desta vez para o posto de narrador esportivo. Mal sabia Clélio que Adilson seria peça chave para o começo de uma das mais prestigiadas competições esportivas da região do Vale do Alto Uruguai: A Taça Belos Montes de Futebol de Campo.
A ideia era fazer uma competição que englobasse toda a região, com times citadinos e interioranos. Até aquele momento, o que havia para os clubes eram os amistosos de domingo de manhã ou sábado à tarde. Havia os chamados torneios, onde por muitas vezes os jogos iam noite adentro e também os campeonatos municipais, que acontecem até os dias de hoje. A necessidade de um campeonato regional era o que motivava os organizadores, pois embora já tivesse uma competição regional forte, esta já estava defasada.
Quem fala é o organizador da competição e narrador esportivo, Adilson Germano:

Foi então que o narrador Adilson e o jornalista Clélio deram início ao projeto. No começo houve várias conversas com dirigentes dos clubes da região, para saber se havia o interesse de ter um certame regional. A resposta foi positiva e a bola começou a rolar ainda em 1995. Neste mesmo ano, por conta de que o Jornal FolhaSete iniciou seus exercícios em 1996, os dados se perderam e nenhuma das fontes consultadas diz lembrar dados sobre a primeira edição disputada. Em todos os anos, na somatória de participações, 215 times entraram em campo. Numa média, entre jogadores, comissão técnica e dirigentes, cerca de 27 pessoas por ano em cada clube estavam envolvidas com a Taça Belos Montes.
O campeonato inicialmente era chamado de "Taça Ceval", por conta do patrocinador Ceval, que controlava o principal frigorífico da cidade, hoje* unidade da JBS. A partir de 1998, começou a se chamar "Taça Belos Montes de Futebol de Campo" e o nome perdurou até 2016. No ano seguinte, a emissora migrou para o FM e a competição passou a se chamar "Taça Belos FM".
A INTEGRAÇÃO QUE A COMPETIÇÃO PROPORCIONOU
Em 22 anos de campeonato, sua importância social e esportiva obteve destaque e reconhecimento na região. As comunidades e os clubes citadinos travaram verdadeiras batalhas dentro de campo. Cita-se os municípios de Arabutã e Itá, ambos com mais vezes representados com suas equipes. A consolidação da competição veio em 1999, com o surgimento da Copa dos Campeões, onde como o nome já sugere, só quem havia levantado a Taça Belos Montes participava.
A competição era comentada em toda a região. Nunca antes houve um certame que unisse equipes interioranas e citadinas com tanto sucesso. O reconhecimento dos times pelo campeonato era notável, pois o nível de competitividade era alto. Para se ter uma ideia, nos primeiros anos não se ouvia falar de grandes goleadas entre os finalistas. Saía muitos gols, mas havia um equilíbrio muito grande, com exceção ao ano de 2000, onde o Bandeirantes de Borboleta Alta-Itá fez 8x1 no agregado das duas finais da Taça Belos Montes contra o Cruzeiro de Linha Capitão-Arabutã. Em todos os anos de disputa, as comunidades e as demais equipes tiveram um relacionamento mais estreito, visto que com a rádio e o jornal a comunicação e a divulgação eram constantes.
Para Denilson Lorenzetti, ex-jogador do Aliança de Barra Bonita-Concórdia, campeão da Taça Belos Montes em 1997, o campeonato era de extrema importância, principalmente social. Denilson destaca que como não havia uma competição nesse molde, a Taça proporcionou novos lugares para conhecer. “Nós não conhecíamos algumas comunidades interioranas de Itá e de Arabutã. Essa integração que a competição proporcionava era fundamental, pois fizemos várias amizades com as pessoas desses locais. Também fizemos alguns desafetos", disse em tom bem-humorado.
No sentido de que Barra Bonita fica mais afastada no mapa geral da competição, a relação que se criou com várias outras localidades e pessoas foi notável pois uniu a região. “Eu ia ao alto de um morro para sintonizar a Rádio Belos Montes às segundas-feiras quando tinha o debate esportivo, pois ainda era no AM (Amplitude Modulada) e aqui em Concórdia tinha poucos lugares que pegava”. Lorenzetti finaliza ao enfatizar que “somos o único time concordiense a levantar os dois troféus”.
A PRIMEIRA GRANDE RIVALIDADE SE FORMOU NA COPA DOS CAMPEÕES
Uma comunidade que foi destaque entre 1998 e 2002 foi a Linha Pindorama-Itá. As finais marcantes no gramado do Céu Azul são lembradas até hoje. O ex-jogador Elivélton Wortmann relembra o ano de 1998, quando o clube itaense foi campeão da Taça Belos Montes em cima do Ipiranga de Bom Sucesso Ipumirim, numa das mais alucinantes partidas já vistas na história da competição. O placar final daquele jogo foi 5x3 para o Ipiranga, mas o Céu Azul havia vencido em Bom Sucesso por 4x1. “Nós vencíamos por 3x2. No segundo tempo, o jogo virou um inferno. Os caras fizeram três gols e por pouco não levaram para os pênaltis. Que sufoco”, lembra Elivélton, em êxtase ao relatar a partida.

Campo da comunidade de Linha Pindorama, em jogo municipal de 2015
Já em 1999 e 2001, Pindorama venceu a Copa dos Campeões em cima do mesmo clube, o Aliança de Barra Bonita-Concórdia. Ambas as finais foram acirradas, visto a qualidade técnica das duas equipes. A primeira grande rivalidade se consolidou na Copa dos Campeões. “O Céu Azul e o Aliança eram fortíssimos. Nas duas finais, o nível técnico era muito acima da média”, conta o atual gerente da Rádio Belos FM e comentarista esportivo, Décio Pandolfi. Em 2000, o clube concordiense venceu a Copa dos Campeões contra o Cruzeiro em Itá.
Ainda em 2001, Pindorama vivenciou um vice-campeonato frustrante na Taça Belos Montes. A primeira partida da final contra contra o SER 25 de Julho-Arabutã terminou em 1x0 para os arabutanenses. Em Itá, o jogo decisivo estava a favor do Céu Azul, que vencia por 2x0 até pouco mais da metade do segundo tempo. Foi aí que houve a virada fatal do time de Arabutã. Placar de 3x2 para o 25, no agregado 4x2, com direito a confusão com o árbitro Dadá ao final do jogo. Já em 2002, o Céu Azul conheceu outro vice-campeonato. A Copa dos Campeões foi perdida em casa para o Bandeirantes de Borboleta Alta-Itá. Era o fim de uma época marcada pelos embates entre Concórdia e Itá. Pois de 1999 a 2001 o clube de Barra Bonita chegou nas três finais da Copa dos Campeões. Ambas contra equipes itaenses.
OS CUSTOS, O NÍVEL TÉCNICO E O MEDO DA EXPANSÃO DA COMPETIÇÃO
Ainda no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, destacam-se o Serrano de São Pedro, que tinha jogadores mais qualificados vindos de Chapecó, o Cruzeiro de Linha Capitão e o SER 25 de Julho, estes que possuíam atletas extremamente qualificados oriundos de Concórdia. Para se ter uma ideia, alguns outros clubes chegavam a investir entre R$ 500,00 e R$ 1000,00 para contratar alguns atletas. Numa média de gastos, um time bem qualificado valia em média mais de R$ 7.000,00 por edição disputada para brigar pelo título. Isso quando os jogadores nativos da determinada comunidade ou clube não fossem suficientes para entrar na competição.
“Dirigente do Tormex: Eu não entendo. Investi um monte e fiquei vice. Vocês não gastaram quase nada e ficaram campeões. Ex-zagueiro Cladir Roncaglio, do Aliança: Você nunca vai vencer a Taça Belos Montes só com dinheiro. Você precisa das pessoas certas para isso”
O diálogo acima, em tom bem-humorado, é entre um representante da equipe do Tormex, vice-campeã em 1996, e o ex-zagueiro Cladir Roncaglio, do Aliança. O vice-campeão de 1996 mandava seus jogos em Barra Bonita, mas não utilizava jogadores daquela comunidade. Essa história, contada por Roncaglio, mostra uma perspectiva diferente do pensamento clássico que é só ter dinheiro para conquistar um campeonato. E de fato, não há um time campeão da Taça ou Copa que não tenha em seu plantel pelo menos quatro ou cinco jogadores oriundos da comunidade ou bairro.
Geralmente, mesmo uma equipe campeã em seu município não tinha cacife para disputar a Taça Belos Montes, por isso o investimento era necessário. Quem bancava os custos em parte eram os patrocinadores, que tinham suas marcas ou nas camisas ou junto ao nome dos clubes. Por exemplo, Time X/Empresa Y. O nome da equipe e do patrocinador era falado nas transmissões das partidas conforme o acordo definido entre ambos. Mas a fatia principal dos custos era das comunidades.
Uma exceção mais recente a essa regra pode ser o 03 de Maio de Canhada Grande-Arabutã, campeão em 2013, 2015 e 2016 e da Copa dos Campeões em 2017. Este clube tinha uma base nativa muito forte, junto com demais jogadores da região da comunidade e da cidade de Seara, estes que não cobravam para jogar. Nos quatro títulos do 03 de Maio, praticamente os mesmos jogadores estiveram em campo.

Canhada Grande. 03 de Maio vs Palmeiras de Linha Alegre. Copa dos Campeões 2017.
Devido ao fato de que esses e outros clubes de mais tradição na região montarem verdadeiras seleções, a competição teve seu formato alterado em virtude de que várias comunidades se sentiram enfraquecidas para disputar o certame. os clubes mais tradicionais possuíam melhores condições financeiras para investir em jogadores de outros municípios. O campeonato assim ficava ameaçado de ter poucos clubes. A solução encontrada foi restringir o número de jogadores de fora do município. Depois da mudança, somente três jogadores que não votassem no determinado município poderiam ser inscritos. Um exemplo mais recente é o caso do 03 de Maio de Canhada Grande. A comunidade fica no território de Arabutã, mas todos os jogadores, com algumas exceções, votavam em Seara.
Um ponto negativo dos últimos anos foi o fato do medo de enfrentar as equipes de Concórdia. Muito por causa de que o futebol no município concordiense é relativamente mais desenvolvido, uma vez que o território é maior e o campeonato local é extremamente competitivo. Então, se um time de Concórdia viesse a jogar a Taça, as demais equipes de outros municípios estariam ameaçadas. Isso motivou que esses times não deixassem mais os concordienses entrarem na competição. O medo era grande. Esse caso também serve para ilustrar que houve times das regiões de Xanxerê e Chapecó que quiseram entrar no certame, mas o receio das outras equipes fez com que a ideia fosse vetada.
Quem fala é o organizador do campeonato e narrador esportivo, Adilson Germano:

2018: A EDIÇÃO QUE NÃO INICIOU, MAS CONHECEU O FIM
Em 2017, ano de Taça Belos Montes e também da Copa dos Campeões, embora vários fatores já não ajudassem o futebol amador na região, não se imaginava que o campeonato teria seu encerramento. A equipe do Niterói, campeão em 1995, foi quem levantou a taça. A partida foi disputada no gramado da comunidade de Canhada Grande-Arabutã. Até aquele momento, já se projetava o ano seguinte, visto que outros clubes interessados em jogar a competição se manifestaram.
Na região da Taça Belos Montes, o contexto social mudou através dos anos nas comunidades do interior. Se em outros tempos havia atletas aos montes, hoje já é uma tarefa árdua encontrar 11 para um simples amistoso. Segundo dirigentes, muito se deve ao êxodo rural e as dificuldades financeiras para montar uma equipe competitiva.
“O dinheiro complicou o futebol. Se antes havia amor à camisa e mais parceria, hoje tem que pagar 500 reais ou mais por um jogador. Aí fica difícil tirar dinheiro da sociedade (caixa de associação de moradores, da comunidade, etc) para investir na Taça Belos Montes”. (Ex-zagueiro Cladir Roncaglio, do Aliança de Barra Bonita-Concórdia)”.
Foi o caso de várias equipes e clubes interioranos como o Céu Azul de Pindorama, o SER 25 de Julho, o Bandeirantes de Borboleta Alta e o Serrano de São Pedro. Muitas comunidades do interior já não tinham pessoas para jogar futebol. Os custos, principalmente com arbitragem, eram exorbitantes para a realidade das comunidades e o retorno dos jogos, com a venda de bebidas e alimentos, e das tradicionais bodegas (bar), não compensava o investimento. Os patrocinadores já não viam o esporte com bons olhos, devido também às recentes situações econômicas que a região enfrentava. A tal da crise.
Para o ex-goleiro Eder Wortmann, campeão em 1998, 2009 e 2010 e da Copa dos Campeões em 1999 e 2001, o Céu Azul de Pindorama não voltaria a disputar a competição caso ela fosse realizada novamente. “A falta de patrocinadores e de gente aqui em nossa comunidade prejudica muito. Nós gostávamos do campeonato, mas o custo era alto e o retorno financeiro só vinha em jogos decisivos”.
O Cruzeiro de Itá, maior campeão da Taça Belos Montes, disputava o Estadual de Amadores. Este campeonato era praticamente quase profissional. Mas nos últimos anos o todo-poderoso time itaense também já dava sinais de que as coisas haviam mudado. O vice-campeonato em casa para o 03 de Maio em 2015 e uma vexatória goleada sofrida em 2017 para o mesmo 03 de Maio mostravam que mesmo um clube citadino histórico no município de Itá e na região perdera sua força.

Cruzeiro de Itá. Campeão da Taça Belos Montes em 2004.
“O baixo nível técnico e o desinteresse estão acabando com esses campeonatos”. (Valdecir Ritter, lateral esquerdo campeão da Taça Belos Montes em 2007)
Porém, em 2018, o certame parecia ganhar novo fôlego. Havia três novos times que estavam interessados em disputar a Taça Belos Montes. Um deles justamente de Concórdia, uma vez que a organização da competição decidiu deixar os concordienses participarem. O arbitral já havia sido contratado e tudo estava prestes a começar. Porém, há uma semana de iniciar a primeira fase, um dos oito clubes desistiu do campeonato ao alegar problemas financeiros. Os demais não aceitaram tal situação e deram a edição, que nem chegou a iniciar, por encerrada. Diante disso, a organização da competição decidiu por encerrar em definitivo as duas competições. A lacuna deixada até hoje não foi estancada, pois o que restou foram os campeonatos municipais.
O cancelamento gerou descontentamento de várias comunidades e outras equipes da região. Mas ao mesmo tempo, houve dirigentes que não viram como surpresa o fim do campeonato, por causa das muitas razões que puxam o freio de mão do futebol amador da região. Em 2019, alguns dirigentes esportivos da região contataram os organizadores para saber se existia a possibilidade de voltar a organizar a competição. A resposta foi que a chance de retorno da Taça ao modelo antigo está praticamente descartada. Os motivos foram a frustração de 2018 e o contexto atual do futebol regional.
Nem tudo está perdido. Segundo os organizadores, há a ideia de retomar a Taça Belos Montes. O formato iria sofrer uma mudança drástica. Se antes havia clubes interioranos e citadinos, no novo formato haveria um ou mais representantes por município, bancado (s) pelo poder público. A competição abriria para fora do Alto Uruguai, a fim de ter mais equipes na disputa. Como por exemplo, as regiões de Xanxerê e Chapecó, que outrora manifestaram interesse de disputar a Taça Belos Montes no formato antigo. Por ora, fica a expectativa de que o projeto seja retirado dos bretes do pensamento e tenha uma proposta clara, pois muita gente já sente falta dos embates regionais dentro de campo.
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